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domingo, 13 de março de 2011

Jornada sem Fim - Veraneio em Tramandaí, a estada

Hoje estamos apresentando o segundo capítulo do Fohetim virtual Jornada sem Fim - Veraneio em Tramandaí.(para ler o primeiro capítulo clique aqui). Baseado nas memórias de meu sogro, Antonio, e em algumas imagens por ele cedidas e outras obtidas no jornalnh, elaborei uma cronica sobre os veraneios em Tramandaí a partir da década de 30 do século passado. No domingo que vem, não perca o capítulo final, e para quem não acompanhou o folhetim anterior, Diário de Bordo 1500 - a Descoberta do Brasil é só entrar na página Urbano livro, nos contos, ensaios e cronicas.
O autor, Paulo Bettanin
Acordamos com o primeiro cantar do galo na madrugada, e às sete horas o sino bate informando que o café está servido. Chegamos ao grande salão, e nem parece que há poucas horas havia ocorrido mais um baile noturno. Os hóspedes encontram-se impecavelmente vestidos, os homens com seus trajes sociais ou, eventualmente, de bombachas. As mulheres em compridos vestidos, cobertos de babados.
Terminado o desjejum todos acomodam-se na aconchegante varanda do hotel onde, confortavelmente instalados nas espreguiçadeiras ou cadeiras fornecidas pelo senhor Correa, permanecerão até a hora do almoço. Alguns homens instalam-se em uma mesa e começam um animado jogo de cartas, só interrompido pela aproximação de algum transeunte, quando o ritual de acenar com o chapéu se transforma em uma divertida coreografia, enquanto as mulheres bordam, fazem crochê e conversam. As crianças brincam de roda, jogam futebol ou peteca, e outros folguedos infantis. Assim passamos o tempo até que a sineta nos conduza, pontualmente às doze horas, novamente ao salão de refeições. Após o almoço retornamos para o chalé, pois aproxima-se a hora da sesta. Com dificuldade adormeço, pois a ansiedade para rever o mar agita meus pensamentos. No horário combinado, nos vestimos, minha mãe retira nossos maiôs da mala e nos dirigimos para a parada do trem, na Rua Emancipação. Quando chegamos, o caminhão já se encontra engatado nos quatro vagões abertos. O odor de gasolina está forte, sentamo-nos nos bancos de madeira. Na hora prevista, após soar o apito, a composição começa a movimentar-se nos trilhos de ferro. Com a aproximação do mar, o odor do combustível é substituído pelo salgado perfume marinho. Os trilhos terminam junto a praia, e saímos todos. Impecavelmente vestidos, os homens com calça, camisa social e blazer, e as mulheres em longos vestidos.
Dirigimo-nos para as cabines disponibilizadas pelos hotéis, fabricadas com sapé, sem teto, tal qual uma casinha de João de barro, sem piso, onde trocamos as nossas roupas de passeio por maiôs de corpo inteiro, fabricados em lã natural e tingidos de preto, touca de borracha para não molharmos os ouvidos e galochas também de borracha para nos proteger das mordidas dos siris, em grande quantidade nas águas do mar. Como complemento, as mulheres usavam uma sainha na cintura.
 De agora em diante seriam somente folguedos, brincadeiras de pegar, castelos de areia. Próximo às cinco horas da tarde, depois de nos secarmos e trocarmos novamente de roupa, nos dirigíamos para o trenzinho do seu Saad Abraão, com seus quatro vagões descobertos. Apresentados os tickets fornecidos pelo hotel, sento-me no banco duro de madeira recém pintado e enquanto aguardo, agradeço a Deus pela existência do seu Saad, pois além de nos transportar até a praia, é um dos responsáveis pelo fornecimento de víveres e outros materiais para os hotéis. Ao contrário da vinda, agora o caminhãozinho está posicionado atrás dos vagões, empurrando-nos de volta ao hotel. Quando chegarmos a Rua Emancipação, em frente ao Hotel Gaúcho, ponto final da linha, depois de todos os passageiros saírem vou pedir, novamente, para sentar-me no caminhão enquanto ele é girado manualmente na plataforma de madeira para se posicionar novamente na frente da composição de vagões.
Após nossa chegada ao Hotel, seguíamos até a beira do Rio para acompanharmos a chegada das lavadeiras e engomadeiras em suas precárias canoas para recolher as roupas usadas dos veranistas e dos hotéis, e em grandes trouxas colocadas nas suas cabeças seguiam até a beira do rio entoando cânticos afros e, em um curioso bailado, equilibravam as roupas para lavá-las em águas cuidadosamente escolhidas, que não talhavam o sabão e deixavam a roupa extremamente limpa.
Na manhã seguinte, acompanharemos a cozinheira do hotel e seus filhos até a margem do rio para comprar gêneros alimentícios trazidos pelos vapores. Segundo meu pai, a navegação lacustre e marítima seriam o futuro dos transportes de massa, e que havia sido iniciada pela dragagem das barras que separavam as lagoas, o que permitiu a navegação a vapor desde Torres até Osório e Tramandaí. Com a conclusão da ligação férrea entre Osório e Palmares do Sul em 1922, continuava ele afirmando, os excedentes agrícolas da região eram conduzidos por barco até Osório, e de lá de trem até o porto de Palmares do Sul, onde eram novamente embarcadas, sendo levadas até Porto Alegre.
Nos dias de céu azul, sem nuvens, caminhávamos até o limite da cidade para acompanharmos a descida dos “teco-tecos” no campo de pouso gramado construído próximo da entrada de Tramandaí, e que terminava quase junto ao mar.
Meu pai gostava muito de pescar, e este era o único momento em que retirava o carro da garagem do hotel e íamos em direção à confluência da Av. Beira Rio para nos dirigirmos ao balneário de Santa Teresinha, passando pela ponte de madeira construída em 1930 por ordem do Governo do estado, para substituir a precária travessia de balsas e canoas, que utilizava pranchas sobre duas canoas, colocando-se o automóvel amarrado sobre estas pranchas. Ao chegar, entregava o resultado da pescaria para a cozinheira do hotel, que os preparava especialmente para nossa família.
Quando não queria utilizar o automóvel, um dos passeios obrigatórios eram as visitas aos ranchos dos pescadores na margem esquerda do Rio Tramandaí, onde meu pai fazia questão de escolher e comprar peixe fresco para a cozinheira do hotel preparar e servir na janta em nossa mesa.
Em algumas noites, gostávamos de visitar o Hotel Sperb, o único com gerador próprio e luz elétrica, mesmo que precária, ou até o Hotel Hofmeister ou ao Riograndense na beira do rio.
Em algumas manhãs, com autorização de meu pai e acompanhados por algum adulto, íamos à beira do rio tomar um banho na prainha, depois de despencar barranco abaixo. Na água limpa, que alcançava nossos joelhos, enxergávamos nossos pés e os peixinhos nadando na margem do rio.
Outro passeio obrigatório incluía a exploração dos cômoros de areia junto ao mar, subindo e descendo as dunas de areia quente e branca, com esteiras colocadas nos pontos mais altos. Após as chuvas, entre as dunas formavam-se lagoas de água quentinha e limpa, onde brincávamos.
Um dos nossos maiores divertimentos era espreitarmo-nos até o grande salão do hotel e tentar escutar as conversas dos adultos. Em uma dessas vezes, acompanhei a discussão acalorada entre um grupo de veranistas que queriam preservar a praia contra outro grupo que acreditava que o melhor era não impedir o progresso. O argumento dos favoráveis à conservação era de que a publicidade que se fazia no jornal “Correio do Povo” e na revista “A gaivota”, ambos da capital, das propriedades terapêuticas do ar marinho e das areias brancas do litoral, o efeito medicinal dos banhos de mar, inclusive recomendado por médicos, estava fazendo com que famílias abastadas, assim como os imigrantes alemães e seus descendentes estivessem invadindo as praias do litoral. Desta forma, as praias balneárias do litoral gaúcho começavam a apresentar problemas de saúde e de higiene.
Os progressistas, por sua vez, diziam que o aumento de veranistas faria com que melhorassem as condições de transporte e acesso às praias, assim como o comércio e infraestrutura, no que eram apoiados pelos hoteleiros e comerciantes locais.
Em uma tarde, alguns hóspedes do hotel trouxeram um veranista que havia se exposto demais ao sol e urrava de dor em função das queimaduras. O senhor Correa fez um ungüento com claras de ovos e passou nos ferimentos. Depois de três dias de sofrimento, o queimado conseguiu sair do seu quarto. Para prevenir estes acidentes, nossa mãe untava nossos corpos com vinagre, o que além de proteger, ainda permitia um bronzeado. Quando ocorriam as queimaduras, nosso pai sempre tinha óxido de zinco, que misturado ao vinagre, tornava-se uma loção. Vinagre também era utilizado para queimaduras com mãe d’água.
E assim, cheios de aventuras e novidades transcorreram os noventa dias do meu primeiro veraneio na Praia de Tramandaí, litoral norte do Rio Grande do Sul. Sucederam-se muitos depois deste inicial, com peripécias e inovações, mas o primeiro a gente não esquece.

No próximo domingo dia 13.03.2011, a conclusão de nosso folhetim.

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