Rostos que parecem desconstruções pictóricas em movimento ou
superposições de faces em camadas quase vivas. As pinturas de Nick
Lepard são retratos orgânicos que ultrapassam a simples retratação de um
rosto.
© Nick Lepard, "This Is Nowhere".
O caráter fugaz da contemporaneidade nos impele a correr de um
momento a outro sem prestar muita atenção em praticamente nenhum deles. Os retratos de Nick Lepard capturam essa essência da forma como vivemos o efêmero.
Diz o artista em uma entrevista "Pintar é como
tentar solucionar um mistério. O mistério, pra mim, é como criar uma
pintura que capture a atenção do público e a mantenha pelo maior tempo
possível".
A arte do retrato, que antigamente ocupava-se de copiar fielmente as
formas humanas e imortalizá-las, principalmente nas telas, adquiriu
novos contornos com o advento da fotografia, que tornou obsoleta a
representação realista da pintura a óleo. Diz-se que um retrato fala
mais do artista do que do retratado. Conseguimos identificar os traços
do artista nos traços de sua obra.
© Nick Lepard, "The Event".
Nick Lepard, natural de Vancouver, Canadá, estudou no Instituto de
Arte e Design Emily Carr, e não acha que o mundo acadêmico e o real
precisam ser opostos. O jovem artista (nascido em 1983) sabe mesclar
muito bem a técnica formal ao talento puro e cru. Como diz em seu site,
as imagens que compõe possuem um toque macabro e grotesco. Isso advém
do jogo de camadas que desfigura o rosto, ao mesmo tempo em que
transforma o retrato numa pintura viva que transborda organicidade. Os
retratos pintados majoritariamente a óleo (e alguns com tinta acrílica)
não reproduzem apenas um rosto, mas um momento daquela pessoa em
simbiose com o espaço e o tempo que a cercam e a ultrapassam.
Alguns dos trabalhos de Nick, como This Is Nowhere e The Long Now,
são mais sólidos, mais preenchidos de forma natural. Os rostos possuem o
estilo característico do artista, mas estão relativamente inteiros e
não tão desfigurados. Aqui, os traços livres do pincel e as cores
utilizadas em conjunto com a expressão nos rostos protagonizam o sentido
da pintura. Os lábios cheios e generosos chamam a atenção, assim como
os olhos, mornos e contemplativos. Os rostos são grandes e ocupam quase a
tela inteira. Apesar da falta de bordas, que mistura o rosto com o
fundo abstrato, experimentamos uma sensação temporária de completude ao
observarmos o rosto preenchendo o espaço da tela.
© Nick Lepard, "The Long Now".
Outros retratos do artista abusam mais do jogo orgânico de
multicamadas e multifacetas e caem na desconstrução em si, nos
apresentando uma maravilhosa profusão de diferentes momentos pintados em
diferentes partes do mesmo quadro. Não somente as formas se sobrepõem
num jogo desordenado, mas as cores escorrem despreocupadas e sem se ater
a bordas definidas. Alguns pedaços da pintura parecem mesmo inacabados,
contribuindo para a noção de fugacidade que banha as expressões
pinceladas. Diferentes nacos de olhos, bocas e narizes parecem não
combinar, numa colagem de diversas feições interconectadas.
© Nick Lepard, "When I Was An Animal".
© Nick Lepard, "The Field".
© Nick Lepard, "The Way In Which We Change".
© Nick Lepard, "No Place For The Lucid".
Já trabalhos como Somewhere e Monkey in Red
priorizam a deformidade e a exploração de camadas mais internas. O
aspecto dos rostos desfigurados é cadavérico, mas está longe de possuir
qualquer sinal de secura ou estabilidade características da morte. Pelo
contrário, as imagens vibram com movimento e vida. As cores parecem
mimetizar tecidos e a obra ganha um ar quase anatômico. O retrato é
aprofundado para os subníveis da carne. Somos tragados pela dissecação
ao mesmo tempo que podemos perceber as camadas internas como
sobreposições que cobrem e escondem um rosto inteiro, totalmente
camuflado ou corrompido.
© Nick Lepard, "Monkey In Red".
A multiplicidade de percepções nas pinturas de Nick Lepard transmite
toda a turbulência de um mundo hipermoderno que desfigura nosso rosto (e
identidade) numa histeria temporal.
fonte texto e imagens: obvius
Ótimo , Paulo
ResponderExcluirGostei muito.Trabalho fantástico!
ResponderExcluirOi, Paulo, belo trabalho, forte! "The Long Now" tem uma tristeza que impressiona.
ResponderExcluirGrande abraço!